Foi assim esses dias. “O Uberaba vai jogar com o Siderúrgica”, anunciaram. “Que time é esse?”, pergunta o torcedor menos atento ao futebol de antigamente. “Um time que já foi bicampeão mineiro”, responde o mais informado. O clube também já foi campeão da segunda divisão estadual e tem seis vices na divisão principal. Mas o passado de glórias é motivo apenas de saudade e nostalgia e hoje o Siderúrgica é mais um time do interior que pena para simplesmente continuar existindo.
Nos últimos anos, a equipe tentou ressurgir e reativou o futebol profissional. Disputou a Terceirona do Mineiro em 2015 e 2016, mas foi figurante. No primeiro ano, ficou em último lugar no grupo, com dois pontos em oito jogos. Marcou míseros dois gols. Na temporada seguinte, repetiu a façanha: foi o último colocado em uma chave de cinco participantes, com dois pontinhos. Pelo menos dessa vez marcou oito gols.
Cansaço e sonhos
Nas duas partidas, os mesmos jogadores. Todos jovens, na faixa dos 20 anos. Apenas três reservas. Enfrentaram o cansaço da viagem e fizeram um jogo no sábado à tarde e outro no domingo pela manhã. O futebol respira!
Seu Gilberto Fonseca (“uma perna fina, outra seca”, apresenta-se) diz que passou a vida no Siderúrgica. Esse amor não deixa o clube morrer. “Sempre morei ali perto do campo da Praia do Ó (como é conhecido o estádio Eli Seabra Filho), é minha segunda casa”.
Apesar das dificuldades, seu Gilberto vai botar o time no Estadual de novo. Para isso, espera alguma parceria para conseguir recursos e ter um elenco competitivo. O objetivo é revelar algum jogador ou entrar para disputar o acesso? “Não vamos só participar”, diz o dirigente. “Ainda vamos fazer uma seletiva, a gente almeja uma boa campanha. É um sonho ver o Siderúrgica de novo entre os grandes”, resume. Parece mesmo utopia. Talvez o objetivo não seja nem um nem outro dos citados. Somente colocar o time em campo.
Jogadores voluntários
No Siderúrgica, todos se ajudam e fazem de tudo um pouco. Ao lado de seu Gilberto, a jovem Gabrielle Celestino faz as vezes de assessora de imprensa e conta que os atletas jogam como voluntários. Um contraste gritante com o futebol dos clubes milionários. “Todo mundo pede ajuda para os custos das viagens, por exemplo”, revela.
Nem campo a equipe tem. “A Prefeitura é que toma conta do campo, vamos tentar um comodato para voltar a usar”, diz o presidente. Enquanto isso, os treinos são em campos emprestados.
Para jogar em Uberaba, o time saiu de Sabará, a cerca de 500 quilômetros daqui, viajou a madrugada toda e chegou por volta das 6h. Depois de jogar contra o USC, jantariam no CT Colorado. Dormiram numa pensão e foram enfrentar o Naça.
O mais experiente do grupo é o zagueiro Danilo, de 23 anos, que estava em Portugal, conta o diretor Marco Antônio de Lima, que também é radialista. Lima narrou os dois jogos da Tartaruga aqui em Uberaba. Ele é outro apaixonado pelo time. Pelo futebol. “Fui juiz durante 30 anos, quando parei de apitar tive que continuar de alguma forma no futebol, está na veia”. O locutor-diretor dá uma mão ao clube e transmite as emoções pelas ondas do rádio. Apesar da paixão, é mais ponderado. “Com esse time não dá pra disputar. Não temos apoio da Prefeitura, o presidente é brigado com o prefeito, aí nem campo temos. Você pode não gostar do político, mas tem que abraçar, cumprimentar, falar que é o melhor. Sem apoio não dá”, resume.
Contra o USC, o Siderúrgica jogou de uniforme branco com detalhes pretos. Contra o Nacional, que também usou branco, o jeito foi apelar para uma farda azul e vermelha, de improviso. A vestimenta azul e branca ainda não está pronta, informa Gabrielle. Se é que foi encomendada.
Segundo Lima, alguns jogadores estão registrados no BID. “Quem quiser contratar, eles podem jogar no mundo inteiro”.
História
A escalação do time campeão de 1964 está na ponta da língua. “Dejair, Zu, Chiquito, Zé Luiz e Dawson, Edson e Noventa, Ernani, Silvestre, Paulista e Tião”. O técnico era Yustrich.
Um jogo contra o Cruzeiro, em que Yustrich já era o treinador da Raposa, é lembrado com humor. “O Cruzeiro ganhou de 2 a 1, mas o Hamilton, que estava fazendo testes, fez um gol, e o Yustrich ficou uma fera por ter tomado um gol. Ele mandou saber quem era aquele que tinha feito o gol, ele era maluco, queria bater nele, ninguém contou quem era. Mas ele mandou jogar fora os lanches dos jogadores do Cruzeiro”.
Fundado em 31 de maio de 1930, o Siderúrgica continuará vivo, enquanto apaixonados pelo clube e pelo futebol resistirem, apesar de tantas dificuldades. A história de clubes pequenos, mas tradicionais como esse, não pode acabar.